Transtorno Afetivo Bipolar –

A Bipolaridade é um transtorno de ordem afetiva, caracterizado pela alternância entre episódios de depressão e mania ou hipomania, uma forma mais leve deste último quadro. Em meio a estas alternâncias, podemos encontrar tipos de comportamentos que nada têm a ver com tristezas ou felicidades da vida cotidiana. Nos episódios de depressão ou mania é possível nos depararmos com psicose (desconexão total com a realidade), ciclagem rápida (quando uma pessoa tem episódio depressivo maior, episódio misto, maníaco ou hipomaníaco em um período de até 12 meses), eutimia (remissão de sintomas/episódios que não permitem reintegração total da vida cotidiana), sintomas residuais (geralmente, são sintomas depressivos que ainda se manifestam em períodos de eutimia ou em momentos em que nenhuma das polaridades está em evidência, mas não impedem que a vida da pessoa seja funcional/saudável), entre outros.

Atualmente, conhecemos quatro espectros do TAB, sendo estes: Bipolaridade tipo I, Bipolaridade tipo II, Transtorno Bipolar Não Identificado ou Misto e o Transtorno Ciclotímico.

A Bipolaridade tipo I se caracteriza por alterações entre depressão e mania, que podem durar desde uma ou duas semanas até meses. Afeta muito a vida da própria pessoa em muitos aspectos, como o profissional e amoroso, além de afetar a vida de quem está à sua volta, que raramente deixa de perceber os comportamentos atípicos dos parceiros/familiares bipolares e têm muita dificuldade para lidar com o relacionamento volúvel. A Bipolaridade tipo II apresenta episódios depressivos e hipomaníacos, em que a pessoa apresenta falas e comportamentos agressivos, mas que não prejudicam em maior escala o seu dia a dia e suas atividades (no entanto, não se deixe levar pela “leveza” dos episódios, pois o sofrimento psíquico também é intenso em qualquer um deles para a pessoa com o quadro e para aquelas com quem se relaciona). Já o TAB Não Especificado ou Misto é diagnosticado quando os quadros apresentados sugerem que a pessoa tenha sintomas do tipo I ou II, mas não suficientes em tempo ou número de manifestação para que seja enquadrada no tipo I ou II. E, por fim, o Transtorno Ciclotímico sugere uma forma mais leve do quadro bipolar. Tem oscilações de humor que podem acontecer no mesmo dia, caracterizadas como “depressão leve” e episódios de hipomania.

Sabe-se que o TAB é um transtorno psiquiátrico que tem prevalência de 1% na população brasileira e seus sintomas podem aparecer em qualquer idade (Almeida-Filho et. al., 1992. Ribeiro. M.; Laranjeira, R.; Cividanes. J., 2005), desde a primeira infância até o final da vida adulta, sendo mais comum que seu diagnóstico aconteça entre a segunda e meio da terceira década da vida. Não é raro também que uma pessoa com bipolaridade apresente questões que podem estar relacionadas à comorbidades de seu quadro, como o abuso de álcool e outras drogas (este abuso pode resultar também em um primeiro episódio de humor da bipolaridade). Este comportamento é encontrado em pessoas com este diagnóstico mais frequentemente do que na população em geral, o que faz com que procurem por ajuda profissional com mais vezes do que o restante da população e sejam encontrados em instituições de cuidados psiquiátricos e enfermarias especializadas na mesma proporção.

Existem estudos que falam sobre o quadro ser inato ou adquirido durante a vida e herdado geneticamente ou não, mas nenhum deles comprova 100% uma questão ou outra. Esta possibilidade é reforçada por estudos que já foram feitos com filhos gêmeos e adotivos, mas a dificuldade desta descoberta se dá pelo fato de que o TAB se apresenta de maneira genética heterogênea na população. Contudo, estes estudos com famílias que aconteceram foram feitos com núcleos familiares em que já havia manifestação de quadros psiquiátricos pelos cuidadores primários, levando à conclusão de que famílias “de probandos com doença de início precoce tenham maior grau de “carga genética”, sendo assim um subgrupo particularmente interessante para pesquisa.” (Alda, M. 1999) – Contudo, nada é definitivo e muitos estudos sobre a Bipolaridade (genéticos, psiquiátricos e psicológicos) ainda precisam acontecer, principalmente no que diz respeito à manifestação deste quadro em mulheres.


Bipolaridade em mulheres
Antes de expor as diferenças de gênero para pessoas bipolares, é importante deixar claro que é necessário considerar as diferentes experiências de vida que homens e mulheres têm culturalmente, dependendo do país que entra nessa discussão. Esta consideração é importante não para que papéis sociais sejam reforçados, mas para que as respostas diferentes que homens e mulheres podem apresentar a uma mesma situação nos levem a uma melhor compreensão da manifestação deste quadro e para que o desenvolvimento de técnicas de cuidados psicológicos e psiquiátricos sejam desenvolvidos com melhor eficácia para todos os gêneros. 

Esta questão já nos levou à descoberta de que mulheres apresentam a ciclagem rápida com mais frequência do que homens – enquanto eles geralmente têm mais episódios de mania –, manifestando quatro ou mais mudanças de episódios afetivos num período de 12 meses. Além disso, para as mulheres há mais mania mista (mania com sintomas do polo oposto: depressão), e episódios depressivos duradouros, considerando que mulheres fazem uso mais frequente de antidepressivos e estes seriam, em parte, responsáveis por essa longa duração por não estarem associados a algum remédio estabilizante do humor (de Borja. A.; Calil, H.M.; 2005).

Quanto ao diagnóstico da Bipolaridade, sabe-se que mulheres passam pelo menos dois anos a mais do que homens com o diagnóstico equivocado de Depressão Unipolar. Isto também leva ao seu começo de tratamento com lítio (medicamento muito usado no tratamento deste quadro) tardio, mais de cinco anos mais tarde do que homens (Arnold, 2003).

Além disso, há o fato de que mulheres precisam estar atentas a si mesmas quando engravidam. É comprovado que a gravidez não é algo que aumenta ou diminui riscos para mulheres com bipolaridade, mas o puerpério é um momento em que os riscos de alterações do humor aumentam significativamente, especialmente para mulheres que já passaram por este momento mais de uma vez. Neste período, é sete vezes maior a possibilidade de internação por conta de um primeiro episódio de TAB e duas vezes maior quando a internação é por recorrência. “30% das pacientes com TAB desenvolvem psicose puerperal (mania, depressão grave ou psicose polimórfica aguda) (Brockington, 2004).”

Ideações suicidas podem acontecer e chegar à verbalização para pessoas da rede de apoio ou até tentativa – e ato consumado, com mais frequência no caso de homens –, e esta questão se apresenta de maneira semelhante para homens e mulheres, acontecendo com mais frequência na presença de episódios de mania mista. – No que se trata de cuidados psiquiátricos, “… uma metanálise de 17 estudos sobre o tratamento do TAB com lítio não demonstrou diferença de resposta entre mulheres e homens, apesar da frequência maior de ciclagem rápida entre as mulheres (Viguera et al., 2000).” Contudo, sabe-se que medicamentos interferem de maneira significativa no ciclo menstrual das mulheres, independentemente da que é usada (O’Donovan et al., 2002).

Por fim, é preciso considerar que a situação psicossocial desvantajosa de mulheres pode fazer com que seu acesso a cuidados profissionais não aconteça ou aconteça de maneira tardia, como já foi citado, o que faz com que a estigmatização deste quadro nessa população aconteça de maneira acentuada. Além disso, fatores como, por exemplo, salários menores para desempenhar funções semelhantes no trabalho e a vulnerabilidade a violências sexual e doméstica, contribuem para que hajam taxas mais altas de mulheres que apresentam transtornos depressivos e/ou ansiosos, quadros que também influenciam em estereótipos comportamentais agressivos geralmente associados a mulheres em términos de relacionamento, por exemplo. – Somos seres biopsicossociais, é importante levar isto em consideração, não apenas em processos de cuidados psicoterápicos.


Como a psicoterapia pode ajudar pessoas bipolares?
Quando uma pessoa fala sobre bipolaridade, não é incomum acabar sabendo que ela faz apenas o tratamento psiquiátrico de seu quadro, pois sabe-se que ele pode ser tratado com vários tipos de medicamento, como o já citado lítio, anticonvulsivantes, antipsicóticos, antidepressivos e até com a eletroconvulsoterapia, que não é mais aplicada como nos filmes que retratam manicômios, fiquem tranquilos. Seu uso hoje em dia é MUITO cuidadoso, responsável e indolor.

De fato, os cuidados psiquiátricos são indispensáveis, mas é comprovado que o acompanhamento psicológico, junto com estes cuidados, fornece uma melhora significativa na qualidade de vida de pessoas dentro de qualquer espectro do TAB, pois sabe-se que “… mesmo utilizando-se as mais adequadas estratégias medicamentosas, o curso do transtorno bipolar é, frequentemente, caracterizado por sintomas crônicos e por altos índices de recaídas e internações. Além disso, mesmo com a remissão de episódios de humor, ainda podem persistir sintomas subsindrômicos substanciais (aqueles sintomas que não preenchem critérios para o diagnóstico de um episódio de humor bipolar), principalmente sintomas depressivos, em grande parte dos pacientes.” – (KNAPP, Paulo; ISOLAN, Luciano., p. 99, 2005)

Os mesmos autores dizem, ainda, que é importante combinar o tratamento psiquiátrico junto com o farmacológico porque apenas 60% dos pacientes com TAB respondem ao lítio e outros estabilizadores do humor, e apenas 40% destes mesmos pacientes não sofrem recaídas (nestas recaídas considera-se o abuso álcool e outras drogas, mas não apenas isto) e/ou recorrências de episódios num período de dois a três anos, mesmo fazendo o uso adequado das medicações prescritas.

A terapia é importante para o tratamento de TAB porque visa aumentar a adesão dessas pessoas ao seu próprio tratamento, reduzir sintomas residuais, identificar pródromos sindrômicos (é sobre autopercepção, são definidos como a aura que precede um surto psicótico em até dois ou três anos) e, consequentemente, prevenir recaídas e/ou recorrências, diminuir o período de hospitalizações, se elas acontecerem, e melhorar a qualidade de vida individual e de seus familiares (KNAPP, Paulo; ISOLAN, Luciano., p. 99, 2005). Os mesmos autores citam que existem cinco intervenções psicoterápicas que são as mais utilizadas para auxiliar pessoas com TAB atualmente, elas são: psicoeducação, terapia cognitivo-comportamental, terapia interpessoal e de ritmo social, terapia familiar e conjugal, e terapia psicodinâmica. Aqui serão expostas a psicoeducação, terapia cognitivo-comportamental e terapia familiar e de casal, pois estas possuem questões que entram em sintonia com a Gestalt-terapia, que pode definitivamente ser uma integrante deste grupo seleto.

A psicoeducação tem o objetivo de fazer com que pessoas com TAB conheçam o próprio quadro com detalhes, para que entendam como a medicação pode ajuda-las não apenas de maneira orgânica, mas mentalmente durante seu dia a dia e também na lida com seus diferentes episódios. Esta intervenção tem base no modelo biopsicossocial de tratamento, então as pessoas são conscientizadas de maneira teórica e prática sobre seus quadros, pois cada pessoa pode lidar com a mesma situação de maneira diferente, então até mesmo técnicas como o role playing podem acontecer neste processo.

Nesta intervenção, a investigação fenomenológica – “Como você se sente em x situação? O que significa x sentimento para você? Como é sentir x sentimento para você?” – que a Gestalt-terapia usa pode ser muito útil ao trabalhar a identificação de sintomas precoces, por exemplo, como funciona o abuso de drogas (se houver) e a aprendizagem de como manejar situações estressantes e de ansiedade, entre outras.

Já sobre a duração de processos psicoterápicos associados a cuidados farmacológicos, seja este processo em grupo ou não, sabe-se que mesmo que sejam breves, apresentam melhora para estas pessoas no conhecimento de seu quadro, adesão a ambos os tratamentos, identificação de sintomas precoces e manejo de períodos de eutimia. Além disso, comprovou-se também a eficácia no que diz respeito às internações, que são menores em frequência e duração, devido à psicoeducação.

Quanto ao processo de tratamento em terapia cognitivo-comportamental, sabe-se que seus principais objetivos são: “1) educar pacientes e familiares sobre o transtorno bipolar, seu tratamento e suas dificuldades associadas à doença; 2) ensinar métodos para monitorar a ocorrência, a gravidade e o curso dos sintomas; 3) facilitar a aceitação e a cooperação no tratamento; 4) oferecer técnicas não-farmacológicas para lidar com sintomas e problemas; 5) ajudar o paciente a enfrentar fatores estressantes que estejam interferindo no tratamento; 6) estimular a aceitação da doença; 7) aumentar o efeito protetor da família e 8) diminuir o trauma e o estigma associado à doença.” – (KNAPP, Paulo; ISOLAN, Luciano., p. 100, 2005) 

Não seria surpreendente constatar que estes seriam os objetivos principais de qualquer processo psicoterápico com pessoas com TAB, independentemente da abordagem usada por cada profissional, mas é importante deixar claro que a TCC é uma abordagem que se difere da Gestalt-terapia, então as técnicas usadas durante atendimentos são bem diferentes, mas visam os mesmos resultados de melhora. Enquanto a Gestalt-terapia foca em investigação de processos fenomenológicos por meio de diferentes técnicas, acredito que a TCC é mais focada na mudança de comportamentos e manutenção do novo repertório comportamental adquirido.

Por fim, a terapia familiar e de casal tem o intuito de envolver a rede de apoio de pessoas com TAB para entender se e como estas relações interferem na vivência deste quadro no dia a dia para ambos os lados. Seus principais objetivos são: “1) modificar as interações familiares que interferem no tratamento; 2) psicoeducação para o paciente e para seus familiares sobre o transtorno bipolar; 3) desenvolvimento de habilidades de comunicação e 4) desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas.” – (KNAPP, Paulo; ISOLAN, Luciano., p. 101, 2005)

Os autores citam, ainda, que a intervenção familiar em casos de pessoas com TAB é vastamente estudada no campo da Psicologia. Em um deles, o termo “expressividade emocional” (EE) foi usado para saber sobre a melhora destes relacionamentos familiares e, em muitos casos, conjugais. O nível de expressividade emocional foi medido por três tipos de atitudes diferentes: “1) crítica (expressões de descontentamento ou aborrecimentos, acompanhados de um tom de voz negativo); 2) hostilidade (expressões indicando rejeições à pessoa do paciente) e 3) superenvolvimento emocional (extremamente superprotetores, com preocupações excessivas, atitudes de muito sacrifício e renúncia em favor do paciente).” – (KNAPP, Paulo; ISOLAN, Luciano., p. 101, 2005) Caso pelo menos uma destas três atitudes apareçam durante a terapia em apenas um integrante familiar, o nível de EE é considerado alto, o que leva à conclusão de um prognóstico que não beneficia o paciente. Além disso, os autores citam que existem estudos com pacientes com esquizofrenia que mostram que “um alto nível ambiental de EE está associado a um maior risco de recaídas e que intervenções dirigidas à família que reduzem os níveis de EE têm um impacto significativo na redução dos níveis de recaída.” – (KNAPP, Paulo; ISOLAN, Luciano., p. 101, 2005)

Por fim, a terapia familiar e de casais pode acontecer por meio de atendimentos em conjunto ou individuais, ainda visando o relacionamento das pessoas envolvidas, ao mesmo tempo em que se trabalha a individualidade destas no processo psicoterápico.

Não deixe de fazer terapia para se cuidar!

AUTOR: JULIANA SANTANA RODRIGUES – CRP 06/145576.
TEXTO FEITO COM O INTUITO DE SER ACESSÍVEL, NÃO UTILIZANDO MUITA LINGUAGEM ACADÊMICA.
Fontes: “Transtorno bipolar.”, “Transtorno bipolar do humor e gênero.”, “O transtorno bipolar na mulher.”, “Abordagens psicoterápicas no transtorno bipolar.”, “O transtorno bipolar em mulheres.”, “Transtorno bipolar do humor e uso indevido de substâncias psicoativas.”