A puberdade é o período que marca o início da adolescência, caracterizado pelas primeiras mudanças físicas. Porém, a adolescência como um todo é uma fase marcada por aspectos psicossociais também. Suas primeiras mudanças físicas podem ocorrer a partir dos 12 anos e se estender até os 18, mas seu término não acontece quando estas mudanças no corpo se encerram, visto que uma pessoa pode ser considerada adulta quando consegue tornar-se independente de seus familiares por meio de liberdade financeira (CARLOS, DAVIM, GERMANO E MENEZES; 2009), algo que não acontece com facilidade no contexto brasileiro. – Contudo, este não é o único fator a ser levado em consideração para constatar o término desta fase. O lado social é o que mais pesa entre as discussões atuais.
Continuando com os mesmos autores, esta é uma fase do desenvolvimento humano que é caracterizada por uma forte autocrítica, necessidade de afirmação e carência afetiva, levando em conta aspectos socioculturais, políticos e psico-afetivos.
Sendo conhecida pelo período dos 12 aos 18 anos, a adolescência tem não apenas mudanças biológicas, mas psicológicas e sociais profundas, como já falei. “Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-americana de Saúde (OPS) a adolescência constitui um processo biológico e vivências orgânicas, no qual se aceleram o desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade, abrangendo a pré-adolescência (entre 10 e 14 anos) e a adolescência (dos 15 aos 19 anos). “(Barbosa, D.; Rejane, M.; Medeiros, G.R.; Viana, M.; Rejane, M.; Delgado, C.; Djailson, J., p. 132) Neste sentido, Nasio (2011) aponta que temos como base o sentido médico quando se trata de puberdade, referindo-se ao desenvolvimento genital, que torna o indivíduo biologicamente capaz de procriar. O autor também aponta o aspecto sociológico, que varia em diferentes culturas, mas que serve como marco de transição entre a dependência infantil e as responsabilidades adultas. Por fim, o aspecto psicológico também deve ser destacado, pois a situação emocional em que o indivíduo se encontra demarca o papel social do adolescente. A partir destas informações, conclui-se que esta fase do desenvolvimento humano possui mudanças biológicas que influenciam a subjetividade de qualquer sujeito, marcando, além dos seus aprendizados, seus lutos e tendências destrutivas por toda a vida adulta.
Aberastury (1995) destaca a importância dos lutos fundamentais desse período da vida. Eles são: o luto do corpo infantil, o luto do papel e identidade infantil e o luto dos pais da infância.
O primeiro – luto do corpo infantil – se refere a todas as mudanças corporais que o adolescente passa. Não meramente o crescimento, mas também as alterações hormonais, o crescimento dos pelos. Nas mulheres, a chegada da menarca, nos homens as oscilações na voz. “As mudanças são tão bruscas que, muitas vezes, o adolescente se torna “estabanado” por não reconhecer ou não saber controlar o próprio corpo. ” (Aberastury, p. 206)
No luto do papel infantil, o adolescente deixa as brincadeiras de criança, assim como abandona parte do pensamento infantil. Há uma confusão, pois limites e responsabilidades não são claros, já que ainda estão sendo formados. Assim, o adolescente é velho demais para algumas coisas e novo demais para outras, segundo a moralidade da criação que seus pais oferecem, contribuindo para a ambivalência deste período, que fica entre momentos de racionalização e pensamento mágico, quase infantil.
A autora também destaca a importância de analisar a adolescência tanto no âmbito de sua fase no desenvolvimento humano quanto como seu espaço no âmbito sócio histórico e cultural.
No luto dos pais da infância, o adolescente perde o encanto que, frequentemente, a criança tem por eles, que representam proteção e sabedoria. O adolescente fica ciente das fraquezas e defeitos de ambos e começa a questioná-los; além disso, aumenta-se a necessidade de fazer parte de um grupo social que seja diferente daquele que o ambiente familiar já lhe proporcionou durante muito tempo. Assim, as referências que antes eram passadas pelos pais passam a ser responsabilidade dos grupos em que se encaixam em diferentes ambientes. Em seguida, com a chegada da maturidade, o adolescente perde a dependência do grupo e passa a elaborar suas próprias decisões, tendendo também a retornar para os pais, porém não mais os pais perfeitos da infância ou os pais tiranos da adolescência, mas como iguais.
Em 1970, Knobel, em seu livro Adolescência Normal, discute sobre o conceito de normalidade na adolescência, definindo que esta é uma fase em que acontece um processo contínuo e o conceito de normal, difícil de ser definido, tem diversos fatores sociais que o transpassam. O indivíduo, portanto, deve ser capaz de aceitar os aspectos de criança e de adulto, por mais contraditórios que pareçam. Os adultos, aos olhos dos adolescentes, parecem alienados em valores e possuem comportamentos considerados ultrapassados. Logo, os adolescentes concluem que precisam fugir disto, algo que é considerado saudável até certo ponto, pois é sua busca pela identidade, como já foi citado anteriormente. Na busca por essa homeostase (equilíbrio), o adolescente cria uma nova identidade, algo muito importante a ser destacado, pois, a partir dela, é possível compreendê-lo, uma vez que a maior parte de sua energia é investida nesta busca durante este período.
Caracterizando a adolescência, com suas contradições e ambiguidades, Knobel desenvolveu o que chama de Síndrome Normal da Adolescência, em que discorre sobre a sintomatologia dessa síndrome que integra em si: 1) a busca de si mesmo e da identidade; 2) tendência grupal; 3) necessidade de intelectualizar e fantasiar; 4) crises religiosas; 5) deslocalização temporal; 6) evolução sexual manifesta; 7) atitude social reivindicatória 8) contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta; 9) separação progressiva dos pais 10) constantes flutuações de humor.
O que a gente mais vê sendo comentado por aí são os dois primeiros itens, então resolvi discorrer melhor sobre eles.
A identidade faz parte de todo o processo evolutivo da vida humana, sendo a adolescência apenas um deles, apesar de ser um processo de transição para a vida adulta. O processo biopsicossocial que o adolescente vive traz à tona os lutos supracitados definidos por Aberastury. Apesar de ser inquestionável a importância de fatores culturais, é de igual importância o processo psíquico, em que o adolescente busca por figuras para se identificar, permitindo que experimente papéis, geralmente tendo inclinações ao que é mais propício às suas vontades e desejos pessoais no momento.
Além disso, ele tende a buscar por ideologias e identificações projetivas, podendo adotar o que foi chamado de identidade transitória, que são assumidas por apenas um espaço de tempo, havendo também as identidades ocasionais que se revelam quando é necessário o enfrentamento de uma nova situação, podendo esta ser positiva ou negativa, e as identidades circunstanciais que fazem parte de um processo de identificação parcial e transitório, que leva o jovem a se comportar de determinada maneira, dependendo do ambiente. Essas identidades constituem a identidade do adolescente, que fazem parte do processo de separação parental e da formação da sua própria. No entanto, é preciso ficar alerta, pois pode também ser indício de um ego fragmentado que pode gerar uma psicopatologia, como a depressão. Desta maneira, conclui-se que o adolescente elabora seus lutos e integra seu ego a partir de suas projeções, que são formadas desde sua infância, para atingir a maturidade.
Se você ainda não se situou muito bem sobre a palavra “projeção”, aqui vai: pra Psicologia, isso é o que uma pessoa faz como mecanismo de defesa. Ela pega características suas (geralmente incômodas para si mesmo) e atribui a outras pessoas, que são aquelas que geralmente integram sua rotina frequentemente. No caso, estamos falando dos pais e figuras de autoridade que està sua volta, como na escola, por exemplo.
Continuando…
Quanto à sua tendência grupal, Knobel, retoma a infância, em que as referências da criança são pais, e a adolescência, em que a referência do jovem passa a ser o seu grupo, que, geralmente, possui um líder que assume uma postura oposta à figura parental. O grupo o ajuda a manifestar a conduta psicopática normal do adolescente, que, frente ao descontrole emocional, pode se tornar cruel e indiferente, sendo alheio aos próprios atos, porém não de forma cristalizada, como no real psicopata. – Conforme o adolescente consolida a própria identidade, progressivamente tira sua dependência do grupo e toma para si sua responsabilidade.
Consolidar a própria identidade pode ser algo doloroso, né? É um processo de altos e baixos… logo, crises podem acontecer. Discutindo esta questão, Nasio (2010) apresenta a questão de que nem sempre o adolescente sabe verbalizar o seu sofrimento, dependendo, na maioria das vezes, dos adultos, sejam estes pais ou profissionais, que lhe ajudam a traduzir sua angústia e sofrimento. Nasio dividiu este sofrimento em três categorias, que também servem pra gente saber qual o nível do que está acontecendo.
O primeiro, moderado, é o sofrimento normal da adolescência, proveniente de uma neurose saudável e necessária. Este sofrimento, que acaba por ser uma mistura de raiva, tristeza e angústia, fazem parte do próprio processo de amadurecimento. O indivíduo é instável neste período de sua vida, logo, estas manifestações neuróticas podem ser de difícil entendimento. – O adolescente com raiva ou revoltado é aquele que apresenta agressividade e irritabilidade, podendo ser provocador e hostil; a melancolia destes se revela por ataques de fúria. Mas existe também o jovem triste, que é aquele que possui um superego rígido, manifestando sentimentos de decepção consigo mesmo e com a vida, tornando-se fechado e melancólico. O último estado, o de angústia, é aquele em que o sujeito se torna passivo de pensar ou agir, tendo comportamentos de timidez, indecisão e medo. – Tudo isso que foi descrito é parte apenas do primeiro nível, ok? Beleza, vamos continuar!
A segunda escala de sofrimento é o intenso, que apresenta comportamentos perigosos, uma vez que o jovem não consegue verbalizar sobre ele. Isto é identificado geralmente em quadros clínicos que são considerados mais graves, como o da depressão, tentativas e suicídios consumados, polidependência de substâncias químicas (geralmente ilícitas), transtornos alimentares, entre outros.
Na terceira escala temos o sofrimento exacerbado, que é caracterizado por distúrbios mentais como TOC, esquizofrenia, depressão crônica, entre outros, que necessitam de acompanhamento multiprofissional intenso.
Relembrando o raciocínio sobre a adolescência apresentado por Nasio, o autor se refere a ela como uma histeria passageira, isso por enxergar em ambas (adolescência e histeria) uma concepção infantil sobre amor e ódio. O adolescente, assim como o histérico, divide o mundo entre dois polos opostos, forte e fraco, bom e mau. Posto isto, ele teme se mostrar fraco e dependente, principalmente aos olhos dos pais, sendo essa, muitas vezes, a origem de seus comportamentos agressivos. Portanto, este indivíduo tem um medo gigantesco de humilhação, isto é, de ter sua autoestima derrubada pelo ambiente em que vive, assim, assume uma postura defensiva para proteger seu ego, demonstrando sua fragilidade. Algo que, afinal, é inevitável… mas demora pra entendermos esse tipo de coisa, né? Processos de mudança nunca são fáceis.
Calligaris (2010) aponta que, para tentar se aproximar da definição de adolescente, pode-se levantar alguns pontos pertinentes dessa passagem. Entre eles está o adolescente como um indivíduo que já assimilou a cultura e o modo de vida de sua sociedade (idioma, conceito de sucesso, convenções sociais, tradições, entre outros), ao mesmo tempo em que o corpo passa pelas modificações necessárias para que ele seja aceito como semelhante aos adultos. Sobre ele é imposta uma moralidade considerada injusta, em que sua idade é idealizada e apontada como um ápice na vida humana com um prazo indefinido por, na cultura ocidental, não haver marcos, limites claros e metas difíceis de ideal a serem seguidos. Como resultado, é inevitável a tendência a se rebelar e apresentar comportamentos reativos.
Ainda seguindo o pensamento de Calligaris, o adolescente, que deixa de ser a criança amada e protegida, não apenas por seus pais, mas pela sociedade em geral, perde esse posto e, apesar de sentir-se apto e competente para ingressar no mundo adulto e receber a admiração e reconhecimento daqueles que seriam seus semelhantes, é forçado a ficar em uma espécie de limbo, onde as instruções que recebem são confusas e contraditórias, pois lhes é cobrado independência, porém não é dado a eles direito de escolha. Devem ser comportados e bem-educados conforme a sociedade a que pertencem enxerga estes conceitos, ao mesmo tempo que em mídia ressalta e valoriza os adolescentes rebeldes e transgressores, chegando até mesmo a hipersexualizá-los. Dentro deste contexto confuso e disforme, os adolescentes tendem a formar grupos, muitas vezes seguindo um padrão de comportamento e estilo, que os permita se reconhecerem, serem reconhecidos como iguais e, entre si, terem a admiração e experiência que são negadas pelos adultos.
Segundo Spenlé (1975), chegada esta fase, o adolescente apresenta nostalgia e culpa, por conta de sua vontade contida de voltar à relação anterior de proteção com os pais, que é resultado de sua ambivalência entre dependência e revolta com estes. Seus pares conhecidos (os pais) estão sendo perdidos e novos têm de ser achados para que estes consigam inserir-se no mundo a partir de sua individualidade. Contudo, as novas relações são vistas de maneira irredutível, que não podem mudar, fazendo com que a solidão pela qual os adolescentes passam ser algo muito difícil a ser enfrentando, daí apresentando-se por meio de comportamentos agressivos e subversivos.
Por fim, pode-se concluir que a adolescência é marcada pela busca de si mesmo e de sua identidade, levando a uma progressiva separação dos pais e procura de pertencimento a outros grupos fora de seu contexto familiar. Neste processo, o indivíduo passa por muitas situações novas que o fazem reconhecer-se de formas diferentes. Ambientes como a escola se tornam essenciais para a formação, não só visando sua educação e aprendizagem, mas porque novos grupos são formados com base em identificações mútuas. É comum que estas identificações mudem conforme o indivíduo se desenvolve e potencializa as habilidades que adquire; isto mostra que o adolescente realmente está numa busca contínua de si mesmo, elaborando o término de sua infância e identidade anterior gradualmente, visto que ele entende que as características que possuía anteriormente não o compõem mais da mesma forma. Porém, a tomada de consciência que está envolvida neste processo age de acordo com as necessidades de elaboração que são trazidas à tona por cada indivíduo, que podem manifestar-se de diferentes formas, fazendo com que este seja um processo único para cada pessoa.
E pra você, pai e/ou mãe, resta tentar entender. Lembrar que você já passou por isso, mas, ao mesmo tempo, não está criando uma extensão de você. DIALOGUE. Mostre que você ouve quem está do seu lado, porque as mudanças que estão acontecendo não são fáceis para nenhum dos lados.
AUTOR: JULIANA SANTANA RODRIGUES – CRP 06/145576.
TEXTO ESCRITO COM O INTUITO DE SER ACESSÍVEL, NÃO UTILIZANDO MUITA LINGUAGEM ACADÊMICA.
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Barbosa Davim, Rejane Marie; Medeiros Germano, Raimunda; Viana Menezes, Rejane Millions; Delgado Carlos, Djailson José ADOLESCENTE/ADOLESCÊNCIA: REVISÃO TEÓRICA SOBRE UMA FASE CRÍTICA DA VIDA. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 10, núm. 2, abril-jun, 2009, pp. 131-140 Universidade Federal do Ceará Fortaleza, Brasil.
BRAGA, L.L.; DELL’AGLIO, D.D.; Suicídio na adolescência: fatores de risco, depressão e gênero. Contextos Clínicos, 6(1):2-14, janeiro-junho 2013.
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Freire, A. N. Aires, J. S.: A contribuição da psicologia escolar na prevenção e no enfrentamento do Bullying. Psicol. Esc. Educ. Vol. 16 no. 1 Maringá Jan./June 2012
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