Na Gestalt-terapia, que é uma abordagem humanista e profundamente relacional da Psicologia, exploramos conceitos sobre como as pessoas se relacionam consigo mesmas e com o mundo. Isso quer dizer que a gente pode nomear alguns tipos de comportamento, porque dar nome aos bois é importante pra notar como contribuímos, ou não, com nosso bem estar e saúde mental de forma integral. Isso quer dizer que, neste tipo de terapia, trabalhamos assiduamente com a autorresponsabilização, porque não tem como controlarmos o que acontece conosco, mas conseguimos ver o que é possível fazer pra lidar, da melhor forma possível, com tudo o que nos acontece.
Traumas são traumas, e não controlamos nossa reação perante situações extremas que nos acontecem. Os comportamentos que criamos a partir deles são, primeiramente, pra nossa própria proteção. Com o tempo passando é que vamos conseguindo ver o que é comportamento saudável e o que é comportamento patológico, ou seja, é com o tempo passando que vamos conseguindo ver como ajustar nossa reação, pra ela não continuar nos machucando.
Em terapia, nossos comportamentos são questionados pelo profissional, com o intuito de fazer com que nossas situações-conflito fiquem mais conscientes, que sejam figuras que conseguimos reconhecer, ao invés de apenas reconhecer gatilhos e evitá-los. Reconhecer gatilhos e nos ajustar às necessidades que ficam conscientes a partir disto nos ajuda a não repetir comportamentos que têm o fim de nos ajudar, mas só repetem algo que nos mantém num looping infinito de frustração e sentimento de fracasso.
Estes comportamentos que menciono são chamados de mecanismos de defesa. Este é um termo bem geral da Psicologia, que não é usado só pela Gestalt-terapia, e estes mecanismos não são bons ou ruins. O que dita se eles vão ser patológicos ou saudáveis é a forma como as pessoas usam estes mecanismos.
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Aqui está uma lista deles.
1. “Confluência: é um estado de não-contato, ou um momento pré-contato. Mantida ausência de fronteira de contato. O self (si mesmo) não pode ser identificado, ausência de discriminação eu/meio; eu/outro.” — Exemplo: você já viu um casal de pessoas que não consegue fazer nada individualmente? Querem fazer tudo em casal, acham inclusive ruim quando e parceire quer fazer algo apenas com amigues? Essas são pessoas confluentes. Que não sabem onde seu eu individual começa e termina.
A linha entre quem somos e o que está lá fora fica meio borrada. É como se a gente se misturasse com tudo sem saber direito onde começa o “eu” e termina o “outro”.
2. “Introjeção: significa a incorporação de elementos do meio, de ideias a sentimentos, relações, valores etc. Processos de identificação com ambiente são a forma de constituição de identidade, mas a introjeção é patológica quando não permite a assimilação.” — Um caso de introjeção muito comum é o da pessoa que é uma adulta ansiosa, que sente urgência em atender os pedidos/desejos de outras pessoas, porque quando criança, via que só era vista e valorizada quando fazia isso para seus pais e/ou figuras de autoridade. Isto faz com que alguém coloque os desejos e necessidades de outras pessoas sempre acima dos seus.
Engolimos ideias, sentimentos, tudo isso de outras pessoas e/ou do ambiente, mas sem realmente digerir direito. É tipo absorver sem entender o que está acontecendo.
3. “Projeção: significa atribuir ao meio elementos fantasiados pelo próprio indivíduo. Para Perls, há aqui um deslocamento da responsabilidade do indivíduo para o meio. A projeção não patológica é o que permite, por exemplo, a empatia entre os indivíduos.” — A projeção mais comum que vejo é a de crianças que não sabem lidar com um sentimento de frustração e exigem, através das famosas “birras” que algum adulto as ajude a se regular emocionalmente. O detalhe é que elas são crianças, e é completamente normal que façam isso, são pessoas ainda em formação. Quando um adulto faz a mesma coisa — e acredite, adultos fazem muita birra também — já não é possível encarar da mesma forma.
Neste mecanismo a gente joga todos os nossos conflitos, frustrações e expectativas pra fora, mas meio que pensa que são do outro. Queremos basicamente nos retirar de nossa responsabilidade perante as relações que nutrimos.
4. “Retroflexão: consiste em voltar para si mesmo a energia mobilizada para o contato, e fazer a si aquilo que gostaria de fazer aos outros ou no mundo ou ainda que os outros lhe fizessem. São exemplos de retroflexão (tanto patológica como saudável): morder os dentes ou cerrar os punhos para não agredir; o sadismo e o masoquismo; a fala mental etc.” — Não há quem não reconheça, quem não tenha vivido este mecanismo. Quando sentimos raiva e frustração, queremos e precisamos colocar pra fora, mas nem sempre isso é possível. Então damos um jeito de tentar conter nossas emoções mais instáveis através de comportamentos que são mais observáveis e não tão abstratos assim, como cerrar os punhos, descrito na definição.
A retroflexão aconteceu quando a gente volta toda a energia pra dentro, segurando o que deveria ir pro mundo, porque isso tem a possibilidade de se tornar um conflito dentro de nós, e isto pode causar sofrimento intenso.
5. “Deflexão: permite evitar o contato direto, desviando a energia de seu objeto primitivo. São exemplos: desviar o olhar; “falar sobre”; usar termos técnicos etc.” — Você já desviou de algum assunto na terapia? Talvez realmente não estivesse conseguindo, dando conta de lidar com algo que ainda é muito complexo pra você. Em outro momento, pode ser que você já não evite mais a temática da mesma forma.
Na deflexão, evitamos contato direto para nos proteger. Evitamos contato direto porque precisamos nos fortalecer e nos conscientizar do conflito, para que seu sofrimento seja visto com afeto, e não com autorrejeição.
6. “Proflexão: é uma combinação de projeção e retroflexão, consiste em fazer ao outro aquilo que gostaríamos que o outro nos fizesse.” — Este mecanismo envolve fazer para os outros o que gostaríamos que fizessem por nós, mas de uma maneira que reflete nossos próprios desejos não realizados ou necessidades não atendidas.
Você já recebeu um presente muito extravagante? Você já achou que uma pessoa estava exagerando na atenção e no cuidado que dá pra você? Você já viu alguém nunca discordar em uma discussão pra não criar ainda mais conflitos? Se sim, acho que você já conheceu algum profletor por aí!
7. “Egotismo: consiste em um reforço deliberado nas fronteiras de contato, devido a um reinvestimento de energia no ego, uma hipertrofia narcísica; pode ser uma etapa do processo terapêutico, mas enquanto um estado crônico se torna uma patologia. É um estado reforçado numa cultura hiper narcísica como a atual.” — Neste mecanismo, é possível citar muitos clássicos!
Tem, por exemplo, aquela pessoa que não lida nada bem com críticas, por mais que elas sejam comunicadas de uma forma construtiva. Tem também a pessoa que compete pra ver quem está sofrendo mais… você pode estar ferrado, mas ela sempre está pior! E isso pode levar ao mais clássico egotismo de todos: o desprezo por sentimentos alheios. Quem nunca conheceu uma pessoa egotista, se manifeste! Eu realmente duvido disso.
O reforço do próprio ego é o que se manifesta mais intensamente no egotismo. E lembre-se: uma pessoa pode ter comportamentos egotistas e não ser egotista o tempo todo. O processo psicoterápico pode auxiliar muito no autorreconhecimento e na tomada de responsabilidade pelas mudanças que vamos notando ser necessárias!
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A Gestalt-terapia entende que a concentração é um ganho em si. É uma grande parte, se não tudo, do que nos leva à nossa autonomia. É com a concentração e com o reconhecimento de nossos mecanismos de defesa que nos tornamos responsáveis e donos de nossa saúde mental. Quando nos preocupamos com nossos comportamentos que podem ser patológicos, nos atentamos a como podemos ser e começar a mudança que realmente desejamos para nossa vida!
Já vi quem dissesse que isso aqui é tudo viagem. Que é tudo falácia! Mas nunca vi uma pessoa consciente de seus comportamentos não conseguir buscar uma resolução pra conflitos em relações amorosas, no trabalho ou até entre familiares.
A Gestalt nos mostra como a gente se enrola nessa vida, e como pode se relacionar com o mundo de um jeito mais real, com expectativas alinhadas com essa realidade, e de boa.
AUTOR: JULIANA SANTANA RODRIGUES – CRP 06/145576.
TEXTO ESCRITO COM O INTUITO DE SER ACESSÍVEL, NÃO UTILIZANDO MUITA LINGUAGEM ACADÊMICA.
FONTE: “PSICOPATOLOGIA – MECANISMOS DE DEFESA NA GESTALT-TERAPIA.“