Todo mundo ouviu falar de violência doméstica, mas… o que é violência doméstica? Ela acontece só quando ocorre alguma agressão física contra a mulher? Essa violência ocorre só entre marido e esposa? Afinal, devemos meter a colher? Sim! Partir para a quebra de estereótipos é sempre uma boa maneira de começar, e este é o objetivo da leitura que será oferecida aqui.
Sabemos que, desde que o mundo é mundo, a violência existe e muda de acordo com o passar do tempo. Mutante desse jeito, ela se adapta a épocas, locais, circunstâncias e realidades diferentes ao redor do mundo. Dessa maneira, há violências que são aceitas e também as que não são. Traduzindo: há violências que beneficiam uma parcela da sociedade – e nós sabemos que parcela é esta – e outras que nem tanto. Mas só nem tanto.
Por esse fenômeno, a violência, ser difícil de explicar, não tem como existir uma exatidão científica geral que podemos atribuir a ele. Ainda, por conta de culturas diferentes a que é submetido, precisa ser revisado constantemente conforme os valores e normas sociais mudam com o passar do tempo.
Por conta de todo o padrão – geralmente patriarcal – da sociedade, a violência ocorrida dentro dos lares foi denunciada pelo movimento feminista pela primeira vez apenas na segunda metade do século XIX (19), mais ou menos no ano de 1850 ou 1860. Até então, esse assunto era discutido apenas na esfera privada, o que significa que a situação social favorecia esse tipo de violência, a doméstica, e sua manutenção antigamente.
A partir do século XX (20), aconteceram convenções (Convenção contra o genocídio, 1948; Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, 1965; Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, 1984; entre outras) que ajudaram a descobrir que a violência de gênero contra a mulher acontecia, porque elas buscavam revisar enunciados e definições dos direitos humanos, que, como sabemos, são mínimos e válidos para todos os habitantes do planeta. Assim, marcos legais puderam ser estabelecidos para a proteção destes direitos. Isto fez com que o movimento feminista se agregasse a organizações internacionais que têm o objetivo de analisar e ajudar este cenário a ser diminuído.
“Para se entender a denominação de violência de gênero é preciso ter em conta o caráter social dos traços atribuídos a homens e mulheres. Dessa forma, observa-se que a maioria dos traços do feminino e do masculino são construções culturais, são produtos da sociedade e não derivados necessariamente da natureza.
A violência de gênero é aquela exercida pelos homens contra as mulheres, em que o gênero do agressor e o da vítima estão intimamente unidos à explicação desta violência. Dessa forma, afeta as mulheres pelo simples fato de serem deste sexo, ou seja, é a violência perpetrada pelos homens mantendo o controle e o domínio sobre as mulheres.” (CASIQUE CASIQUE, L.; FUREGATO, A.R.F. – Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.14, n.6, p.950-956, dezembro de 2006)
Com isto, é importante frisar que, geralmente, todas as características consideradas masculinas são mais valiosas, enquanto as femininas são motivo para diminuir qualquer indivíduo. E é possível observar como estas características se comportam em diferentes sociedades ao longo da história, que, como dito antes, está em constante mudança, mas que são perpetuadas de maneira a fazer com que as mulheres, em TODAS as sociedades, vivam em condição de desigualdade social em relação aos homens.
Por fim, sabemos que há uma inquietude internacional frente a este tema. O movimento feminista cresceu como nunca ao longo dos últimos anos e ajudou a frisar a necessidade de estudos sobre este tema, já que a violência de gênero piora o quadro de saúde individual e familiar de mulheres (sim, isto afeta a mulher e também o restante de sua família). Desta maneira, “A declaração das Nações Unidas sobre a Erradicação da Violência Contra as Mulheres, adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 1993, definiu a violência [de gênero] como qualquer ato de violência apoiado no gênero que produza ou possa produzir danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais na mulher, incluindo as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade tanto na vida pública como na privada.” (CASIQUE CASIQUE, L.; FUREGATO, A.R.F. – Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.14, n.6, p.950-956, dezembro de 2006)
Existem diferentes formas de violência contra a mulher. Elas são a violência intrafamiliar, aquela de que geralmente ouvimos falar, em que as mulheres sofrem agressões vindas de membros da família, esteja ou não o agressor compartilhando o mesmo domicílio, e a violência no trabalho, onde tudo isso acontece em seu ambiente de trabalho.
Não estamos falando apenas de violência física, ok? As agressões podem ser físicas, de violação, psicológicas, econômicas e, algumas vezes, podem ter como resultado a morte da mulher violentada, o que conhecemos atualmente como feminicídio.
“A violência doméstica, a violência de gênero e a violência contra as mulheres são termos utilizados para denominar um grave problema. Na violência doméstica, a agressão advém do companheiro ou de outro membro da família, indo além das paredes do lar, sendo vítimas os idosos, as crianças, os deficientes. Na violência de gênero, os agressores são pessoas próximas às agredidas, ocorrendo em espaços privados ou públicos.
Uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres é a praticada pelo marido ou um parceiro íntimo. O fato é que as mulheres, em geral, estão emocionalmente envolvidas com quem as vitimiza e dependem economicamente deles. Esta violência perpetrada por parceiro íntimo ocorre em todos os países, independentemente de grupo social, econômico, religioso ou cultural.” (CASIQUE CASIQUE, L.; FUREGATO, A.R.F. – Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.14, n.6, p.950-956, dezembro de 2006)
Observa-se, então, que as duas formas mais comuns de violência contra a mulher são o abuso por parte de companheiros e atividade sexual forçada. Isto pode ocorrer na infância, adolescência ou fase adulta da mulher. Estas formas mais comuns citadas geralmente são acompanhadas de agressões psicológicas, que acontecem facilmente em atmosferas regidas por medo e terror.
Agora, vamos explicar o que sempre acontece, em muitos – quase todos – casos.
Agressão física
É o tipo de violência de que mais ouvimos falar, não é? Pois então… esse tipo de violência abarca qualquer ação que precise do uso de força contra mulher, seja ela de qualquer idade e circunstância. Estas agressões são cometidas por meio de chutes, pancadas, lançamento de objetos, bofetadas, surras, queimaduras, fraturas, entre outros atos.
Agressão psicológica
É o tipo de violência mais difícil de se detectar, visto que apresenta cicatrizes num campo não observável, que precisa de investigação prévia. Esta “ocorre através da rejeição de carinho, ameaças de espancamento à mulher e seus filhos, impedimentos à mulher de trabalhar, ter amizades ou sair; por sua vez, o parceiro lhe conta suas aventuras amorosas e, ao mesmo tempo, a acusa de ter amantes.” (CASIQUE CASIQUE, L.; FUREGATO, A.R.F. – Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.14, n.6, p.950-956, dezembro de 2006)
Resumindo ainda mais: estas violências acontecem quando alguém faz uso de abuso verbal, intimidação, ameaças, isolamento, desprezo e abuso econômico de mulheres.
Além disso, as mulheres que se encontram nestas situações geralmente acreditam que não teriam qualquer respaldo (emocional ou jurídico), caso denunciassem este tipo de situação. Muitas vezes, acham até mesmo que o que lhes acontecesse não é grave o suficiente e/ou têm medo de que as ameaças feitas a seus filhos e parentes se concretizem. Pra fechar com chave de ouro, existem até mesmo pessoas próximas que “aconselham” (bota aspas nisso!) as mulheres a continuarem neste tipo de relacionamento para o bem de seus filhos, o que ajuda muito na manutenção deste tipo de violência.
Agressão social
Agressão social é “toda ação prejudicial à mulher, ditada pelas condutas ou atitudes de aceitação ou rejeição que a sociedade estabelece como adequadas frente a violência que sofre a mulher, assim como as condições sociais que envolvem a situação em que vive a vítima de violência.
A violência é reforçada pelas religiões e pelos governos, através de normas e códigos. Dessa forma, geram-se mitos e crenças que nem sempre estão em conformidade com a realidade atual, embora a sociedade as tenha legitimado, em algum momento, e por motivos nem sempre conhecidos com clareza.” (CASIQUE CASIQUE, L.; FUREGATO, A.R.F. – Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.14, n.6, p.950-956, dezembro de 2006)
Entre estes mitos, destacam-se: “O lar é um espaço privado, ninguém deve intervir.”, “O agressor é um doente mental.”, “As mulheres maltratadas podem deixar o lar no momento que desejam.”, “O álcool e as drogas provocam os episódios de violência.”, “As mulheres gostam de sofrer.”, “Se não tem ciúme entre o casal, não existe amor.”, entre outros.
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Ainda segundo o mesmo estudo, a classe social é um tópico importante quando este tema é discutido, pois mostra que a classe subempregada é a que deve receber atenção especial quanto às estratégias de intervenção articuladas, o que nos leva a pensar em questões de etnias, já que estas classes são compostas majoritariamente por pessoas – mulheres – pobres e negras.
Como tudo na vida tem consequências, estas agressões também têm. Elas podem ser de diferentes aspectos para todas as mulheres afetadas. Elas podem ser físicas, causando qualquer sequela no corpo de mulheres; e nem sempre são marca ou cicatrizes que podem ser vistas, podendo ser lesões torácicas, fibromialgia, etc; sexuais e reprodutivas, causando consequências como distúrbios ginecológicos, infertilidade, entre outras; e psicológicas e/ou comportamentais, como o abuso de álcool e drogas, fobias, baixa autoestima, depressão, ansiedade, entre outras.
Vale frisar que tudo isso pode deixar sequelas em quem presencia agressões – geralmente, os filhos – fazendo com que as probabilidades de isso acontecer em suas vidas seja maior, sendo estes filhos vítimas ou agressores posteriormente, além de causar, muitas vezes, depressão, ansiedade e outros transtornos de conduta e/ou atrasos no desenvolvimento cognitivo.
O que ajuda pesquisadores no estudo e conhecimento da violência contra a mulher é o que conhecemos como Modelo Ecológico. Este modelo “estuda os fatores que atuam em quatro âmbitos distintos: individual, familiar, comunitário e sociocultural. Este modelo focaliza a violência na interação que se produz entre seus distintos níveis. São níveis de causalidade imbricados, onde não existe um só determinante, mas uma interação de fatores que operam, favorecendo a violência ou protegendo o indivíduo contra ela. Estes fatores causais e uas interações precisam ser conhecidos em seus distintos contextos e ambientes culturais. Este conhecimento ajuda a identificar os pontos de fragilidade e os caminhos por onde avançar na prevenção da violência e nas intervenções específicas.” (CASIQUE CASIQUE, L.; FUREGATO, A.R.F. – Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.14, n.6, p.950-956, dezembro de 2006)
Desta forma, é possível ver que este tema é encarado como um grande problema de saúde pública e como é possível criar programas pra detectar de maneira precoce quando ele acontece, aí as intervenções podem ser realmente efetivas. Existem até mesmo ONGs, como a ONG Nova Mulher, que fica na região da Cachoeirinha na capital de São Paulo, que, além de serviços de apoio e proteção, oferece orientação jurídica e capacitação educativa para mulher que podem estar enfrentando este tipo de situação.
Alguns serviços também são voltados para agressores, porque não podemos apenas puni-los, esperando que algo positivo saia disso. É necessário reabilitá-los para viver em sociedade e também ensiná-los sobre o que causam na vida de mulheres, pois, como se sabe, muitos deles acham isso “normal”, fazendo com que vejamos que o buraco é muito mais fundo, e não dá pra pensar em ações que sejam apenas momentâneas. Não podemos dar uma solução finita para um problema que se alastra por anos.
É isso. As pessoas precisam entender que o comportamento de qualquer pessoa, frente a este tipo de violência ou qualquer outra, é importante para sabermos como lidamos com isto enquanto sociedade e que, conforme estudos são feitos, programas de ajuda são criados. A questão é cada um analisar tudo muito bem pra ver se quer ser parte do problema ou da solução.
Não banalize a violência contra a mulher.
AUTOR: JULIANA SANTANA RODRIGUES – CRP 06/145576.
TEXTO COM O INTUITO DE SER ACESSÍVEL, NÃO UTILIZANDO MUITA LINGUAGEM ACADÊMICA.
Fonte: “Violência contra mulheres: reflexões teóricas.“